■ In memoriam Dr. Ângelo Machado
Cardoso, Francisco
Arq. Neuro-Psiquiatr., May 2020, vol.78, no.5, p.316-317.
¨O professor Ângelo Barbosa Monteiro Machado, MD-PhD, nasceu na cidade de Belo Horizonte, em 25 de maio de 1934. Ele se formou na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mas nunca praticou Medicina. Apesar desse fato e paradoxalmente, como veremos, ele exerceu uma influência profunda e duradoura sobre a Medicina, particularmente nos campos da Neurologia e Neurocirurgia. Imediatamente após se formar, ele se tornou parte do corpo docente do Departamento de Anatomia da UFMG, onde recebeu seu título de doutorado em 1963. De 1965 a 1967, ele foi pesquisador de pós-doutorado no Departamento de Morfologia da Northwestern University, em Chicago, IL. Ao retornar ao Brasil, em parceria com seu principal colaborador e esposa, Professor Conceição Ribeiro da Silva Machado (1936-2007), fundou os Laboratórios de Microscopia Eletrônica e Neurobiologia no Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Laboratórios de Microscopia Eletrônica e Neurobiologia do Instituto de Ciências Biológicas, ICB-UFMG). Depois de se aposentar como professor do Departamento de Morfologia em 1987, ele voltou a trabalhar no mesmo ICB-UFMG, mas desta vez no Laboratório de Insetos Sistemática do Departamento de Zoologia (Laboratório de Sistemática de Inseto do Departamento de Zoologia). Após a aposentadoria compulsória em 2004, tornou-se professor emérito do ICB-UFMG no ano seguinte. Suas contribuições mais significativas no campo da Neurobiologia foram elucidar a formação de vesículas sinápticas contendo noradrenalina a partir do retículo endoplasmático liso, bem como vários aspectos do envolvimento do sistema nervoso autônomo em modelos experimentais da doença de Chaga. No campo da Entomologia, sua área de especialização era libélulas. Ele descreveu o número surpreendente de 98 espécies e 11 gêneros desses insetos. A propósito, o professor Ângelo amava tanto as libélulas que os azulejos que marcavam a borda da água da piscina de sua casa eram ilustrados com desenhos de libélulas. A terceira atividade intelectual na qual ele estava envolvido foi o ambientalismo. Numa época em que esse era um assunto que merecia, na melhor das hipóteses, notas de rodapé raras, ele se empenhava vigorosamente na defesa do meio ambiente. Além disso, ele desenvolveu um interesse tardio em literatura, escrevendo dezenas de peças e livros. A maioria deles visava crianças e adolescentes. Em 1993, recebeu o Prêmio Jabuti pelo livro ¨O Velho da Montanha¨, uma aventura amazônica. O Prêmio Jabuti é o prêmio de maior prestígio nas cartas brasileiras, comparável ao Prêmio Pulitzer nos EUA.
Seu legado indelével para a Neurologia tinha uma natureza quase casual. Já como assistente do professor João Afonso Liberato Didio, MD-PhD, então professor e chefe de anatomia da UFMG, sempre insolente, ele pensava que “não havia futuro em dissecar”. Ele se mudou para o setor de Neuroanatomia. Com suas notáveis habilidades didáticas, ele tornou inteligível um assunto praticamente inacessível aos estudantes de Medicina. Até aquele momento, eles foram forçados a estudar livros estrangeiros espessos e herméticos. Os alunos começaram a copiar as palestras, datilografaram, uniram e criaram um livro improvisado que circulava entre eles semestre após semestre. Depois disso, o professor Ângelo fez a curadoria do texto e foi assim que a primeira edição do livro Neuroanatomia Funcional (Neuroanatomia Funcional) ganhou vida. Há um uso excessivo e meticuloso do adjetivo seminal. No entanto, neste caso específico, é adequado associar este livro a uma função reprodutiva: existem muito poucos neurologistas brasileiros que não se apaixonaram pelo sistema nervoso e decidiram seguir uma carreira em Neurologia depois de ler esse trabalho.
Lamento por aqueles que não tiveram o privilégio de conhecer o professor Ângelo Machado. Nascer em uma família aristocrática com muitas figuras imponentes em Medicina (Lucas Machado), Política (Cristiano Machado) e Literatura (Maria Clara Machado e Abílio Machado) pode ser uma maneira fácil de bloquear o talento de alguém. No entanto, e felizmente, isso nunca aconteceu com ele. Além de suas proezas intelectuais, ele era um homem excêntrico e deliciosamente engraçado, calorosamente chamado de “Angelim” por seus colegas e alunos. Ele também tinha muitos outros interesses científicos e não científicos. Entre eles, ele era dotado de uma habilidade incomparável para línguas estrangeiras; ele era um talentoso ator amador de quadrinhos durante a Faculdade de Medicina e era um flanêur noturno na cena boêmia de Belo Horizonte. A aposentadoria deste último (a propósito, amargamente lamentada por seus colegas boêmios!) Foi causada pelo evento mais fatídico de sua vida: paixão e casamento com a professora Conceição Ribeiro Machado, resultando não apenas em uma parceria científica altamente produtiva, mas também no nascimento de Lúcia (neuro-pediatria), Flávia (intensivista), Paulo (biólogo) e Eduardo (funcionário do Banco Central do Brasil). O professor Ângelo Machado morreu em 6 de abril de 2020.¨
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2020000500316&lng=pt&nrm=iso (english)
– Texto de Francisco Cardoso
Universidade Federal de Minas Gerais, Medical School, Internal Medicine Department, Neurology Service, Movement Disorders Unit, Belo Horizonte MG, Brazil.
■ Dr Paulo Fernando Leite
Blog Internet Médica – www.internetmedica.com.br
Ex-aluno e admirador de toda carreira e obra do Prof. Ângelo Machado
Data: junho 2020